Dias mais curtos
 



Cronicas

Dias mais curtos

João Carissimi


Era um dia nublado, um sábado de inverno no Sul do Brasil. As nuvens tomavam conta do céu, que deixava de ser azul para tomar vários tons de preto, cinza, marrom, vermelho - e o vento forte movimentava os balões-nuvens. Havia poucas aberturas de sol e queda de temperaturas.

O homem era alto, negro, tinha quarenta anos ou menos, usava tênis, moletom e camiseta manga longa. O menino negro de pele clara vestia um calção azul, tênis, toca laranja, luvas e camiseta vermelha de manga longa; era magrinho e aparentava ter uns oito anos. Por associação, imaginei que fossem pai e filho. Estavam em uma praça pública e jogavam futebol. Havia uma quadra de futsal. O homem demonstrava comandar o jogo. Dizia coisas para o menino. Ditava ordens. Não consegui entender. Passei rápido pela calçada. O que será que falava?

O homem continuava a tomar conta da partida. O menino estava nervoso. Já eu, ao contrário, caminhava pensativo e satisfeito. Ia comprar envelopes e etiquetas na papelaria do bairro. Precisava enviar o livro "A cobra e o ratinho".

Na volta das compras, percebi outro menino que também jogava futebol, mas sozinho. A bola de couro que usava tinha gomos coloridos. Era baixo, magrinho, usava camiseta de manga curta branca e calção azul-marinho. Tênis e meias dobradas. Não tinha mais que oito anos. O campo de grama da residência era todo dele —, maior que a quadra de futsal. Talvez fosse o tamanho de duas ou três quadras. A grama bem cuidada e baixa, própria para se bater uma bola. No entanto, não havia nenhum gol.

O menino tomava alguns instantes para pensar diante da bola quando a chutava para lá, ia até ela, e depois a chutava com força de volta para cá. Fazia um esforço enorme para chutar. A bola era dele. O campo também. Jogava e se divertia sozinho. Tudo parecia mais azul —, um horizonte de raios solares. Chutava a bola com todas as suas forças. De repente, a bola em movimento, o menino em movimento. Tinha um ponta pé forte.

Mais frio e nuvens escuras. O céu ficou completamente tomado por balões-nuvens. A tarde menos iluminada. Ficou mais cinzenta e fria. Apressei meu passo, já havia comprado tudo de que precisava.

Na mesma praça, em frente ao parquinho, outro homem brincava com a filha. A mãe, sentada num banquinho verde, admirava os dois. O pai tinha na mão esquerda a cuia de chimarrão. Na mão direita, um punhado de bolinhas de gude. Dezenas delas, coloridas. Jogou todas no chão, na terra, quase nos pés da filha. A menina se levantou do banquinho, de olho nas bolinhas. Encarou o pai e depois, novamente, o monte de bolinhas que se amontoavam sob seus pés.

- E agora, papai?

- Joga uma bolinha da tua mão e vamo ver quantas tu acerta. Quantas consegue espalhar do bolo de bolinhas.

Ela jogou. Nenhuma saiu do bolo. Ele largou a cuia no banco, ao lado da esposa, e jogou uma bolinha. Uma, duas, três bolinhas se afastaram do centro do bolo, pulando.

- Tá três a zero - disse o pai.

A menina sem entender ou talvez tentando compreender o jogo, coçou a cabeça. Pegou outra bolinha e atirou, agora com mais força. Imitou o gesto do pai. Cinco bolinhas pularam do bolo. O jogo ficou cinco a três para a menina. O pai comemorou, contente, elogiando a filha.

Já eu, passava novamente pela quadra. O cadarço do meu calçado se soltou bem ali. Enquanto o amarrava, fiquei de ouvidos atentos. Tossiu. Tossiu.

- Vai logo pro gol. Tenta defender meu chute forte - dizia o homem. - Agora é minha vez de ficar no gol. Chuta logo, vai, de uma vez. Coloca força, mais força, nesse teu pé… Tu tá sempre fazendo corpo mole. E joga a culpa no clima frio e seco.

Estavam apenas os dois na quadra de esporte.

O homem que eu acreditava ser o pai do menino ainda dominava a quadra. Mandava fazer assim, assado. Agora isso ou aquilo. É assim que se faz, insistia. Tem que jogar assim, como eu. Olha! Bate na bola assim… Pô, não tá vendo o gol? Era de um egoísmo total. A bola estava sempre em suas mãos. Era largada para o menino de forma que esse tinha que fazer o que ele queria. O menino obedecia, apesar de demonstrar insegurança e apatia pelo esporte.

O pai deixou a quadra sem dizer nada. Abraçava a bola. O que poderia ter acontecido? O menino agora estava com o outro menino, amigo dele, supus. Distantes, encontravam-se na outra ponta da quadra, bem longe do homem, que segurava bem a bola junto ao corpo. Seguia sem olhar para trás, muito menos para a direita, onde estavam os meninos. E não disse mais nada. Mais nuvens pretas se juntaram. Parecia que ia chover. Ou seria uma pancada de chuva localizada? Apressei meu passo. Pelo canto do olho esquerdo, espiei a conversa tensa e triste entre os meninos. Seriam irmãos? Ouvi o que um dizia para o outro, o menorzinho:

- Tu é muito burro mesmo. Não sabe nem jogar futebol. Não aprendeu nada.

Escureceu e não choveu. "Preteou o olho da gateada", como se diz por aqui. Parecia que ia chover mesmo. É um tempo de escassez de chuvas.

Arcângelo Luís contava aquela história em dois tempos: antes deliciava uma bergamota e depois mateava. Era um dia "hibernal". Tarde mais curta e noite mais longa.

João Carissimi, nasceu na estação de verão (fevereiro), Antônio Prado (RS), em 1962. Mestre em Comunicação e Informação (UFRGS). Bacharelou-se em Comunicação Social, habilitação Relações Públicas (UCS). Vinho, mate, lareira, pinhão, toca, quentão, pipoca, sopa, bergamota - Boa leitura! Participa do Curso Online de Formação de Escritores

 

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